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A Diretiva da União Europeia sobre Direitos Autorais: Filtros de Upload

Matheus Felipe Sales Santos


O Parlamento Europeu e a Comissão Europeia aprovaram, em março e abril de 2019, respectivamente, a Diretiva sobre direitos autorais no mercado digital, publicada no jornal oficial da União Europeia em 15 de maio de 2019, com o intuito, sobretudo, de empoderar os criadores de conteúdo, editores de notícias e jornalistas nos acordos negociados para concessão de licenças com as plataformas digitais.


Por meio da possibilidade de responsabilização jurídica das plataformas digitais pelo conteúdo carregado pelos seus usuários, visou-se estimular à celebração de acordos de concessão de licença entre os titulares de direito e as plataformas a fim de lhes garantir uma remuneração justa pelo conteúdo produzido.


O objetivo da Diretiva, conforme amplamente enunciado pelo Parlamento Europeu, não foi de criar quaisquer direitos para os criadores, editores e jornalistas, ou novas obrigações para as plataformas digitais, mas sim de adequar as normas já existentes de direitos autorais ao mercado digital, onde se tem observado a livre circulação de conteúdo sem a devida contraprestação aos titulares.


Como consequência da possibilidade de responsabilização jurídica das plataformas digitais, tema bastante discutido tem sido os filtros de upload ou filtros de carregamento, em virtude do disposto no artigo 17, §4º, da Diretiva:


Caso não seja concedida nenhuma autorização, os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha são responsáveis por atos não autorizados de comunicação ao público, incluindo a colocação à disposição do público, de obras protegidas por direitos de autor e de outro material protegido, salvo se os prestadores de serviços demonstrarem que:
a) Envidaram todos os esforços para obter uma autorização; e
b) Efetuaram, de acordo com elevados padrões de diligência profissional do setor, os melhores esforços para assegurar a indisponibilidade de determinadas obras e outro material protegido relativamente às quais os titulares de direitos forneceram aos prestadores de serviços as informações pertinentes e necessárias e, em todo o caso;
c) Agiram com diligência, após recepção de um aviso suficientemente fundamentado pelos titulares dos direitos, no sentido de bloquear o acesso às obras ou outro material protegido objeto de notificação ou de os retirar dos seus sítios Internet ou de, e envidaram os melhores esforços para impedir o seu futuro carregamento, nos termos da alínea b).

Os filtros de upload são conceituados como programas de computador automatizados que (i) examinam os dados carregados pelo usuário, via carregamento online ou antes da publicação na plataforma; e (ii) verificam a conformidade destes dados com determinados critérios. Ao se identificar a desconformidade dos dados com os critérios estabelecidos, há três possíveis ações: (a) o conteúdo é bloqueado; (b) o usuário é impedido de fazer o upload; ou (c) o conteúdo é modificado para corresponder com os critérios.


De acordo com as informações divulgadas pelo Parlamento Europeu, a Diretiva não impõe diretamente qualquer exigência em relação aos filtros de upload ou outras ferramentas, recursos humanos ou infraestruturas que se tornarão necessárias ao controle de conteúdo nas plataformas digitais. É ressaltado, entretanto, que, na inexistência de soluções inovadoras, as plataformas digitais terão que recorrer aos filtros de upload a fim de se adequarem às disposições da Diretiva.


Os críticos e observadores da Diretiva enunciam que, para que as plataformas possam estar em conformidade com o artigo 17, como decorrência do dever de checagem do conteúdo antes da publicação, não há alternativa viável atualmente, devido a enorme quantidade de dados circulados, que não seja a utilização dos filtros de upload automatizados.


A principal problemática que circunda os filtros de upload, já utilizados por algumas plataformas digitais em questões envolvendo, por exemplo, a prevenção de conteúdo extremista e criminal e a limitação de relatos falsos, insultos e cyberbullying, diz respeito à exclusão de conteúdos legítimos carregados pelos usuários, o que pode enfraquecer a liberdade de expressão na internet, uma vez que as plataformas digitais, no exercício do controle apriorístico de conteúdo, poderão acabar censurando os usuários.


Um grupo de acadêmicos de diversas universidades e instituições internacionais, dentre elas a University of Southampton, a University of Cambridge e o French National Center for Scientific Research, elaboraram uma carta aberta à Comissão Europeia sobre a importância de se preservar a consistência e a integridade do acervo da União Europeia concernente ao monitoramento de conteúdo na sociedade de informação, expondo que as obrigações estabelecidas pela Diretiva impõem às plataformas o dever geral de monitoramento de todos os dados de todos os seus usuários, o que é contrário ao artigo 15 da Diretiva da União Europeia sobre E-Commerce, à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, que proíbe a imposição aos servidores de uma obrigação geral de monitoramento, e à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Na mencionada carta aberta, defende-se ainda que a manutenção da proibição de obrigações gerais de monitoramento preservaria a segurança jurídica, incentivaria a inovação e salvaguardaria os usuários da internet.


Um outro grupo com mais de 70 acadêmicos e especialistas em internet, dentre os quais Guido van Rossum, fundador e desenvolvedor da linguagem de programação Python, e Tim Berners-Lee, inventor do World Wide Web, elaborou uma carta ao Presidente do Parlamento Europeu expondo que o artigo 17 da Diretiva criará, por meio da imposição dos filtros de upload, uma barreira de entrada para as plataformas e startups menores, que poderão optar por estabelecer ou mover suas operações para localidades não abrangidas pela Diretiva.


Na contramão das cartas anteriores, acadêmicos do Kluwer Copyright Blog, ao analisarem o artigo 17 da Diretiva, entenderam que, tal qual previsto no §8º do dispositivo, não foi estabelecido um dever geral de monitoramento, assim como o preceituado não é contrário ao artigo 15 da Diretiva da União Europeia sobre E-Commerce.


Em que pese os posicionamentos contrários, em julho de 2019, a Diretiva foi adotada pela França mantendo o disposto no artigo 17, o que já era esperado em virtude do apoio francês em relação ao dispositivo durante a tramitação da norma no Parlamento Europeu e na Comissão Europeia.


Os demais Estados-membros terão que introduzir nos seus ordenamentos jurídicos as regras da Diretiva em até dois anos a contar de sua publicação.




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