Gustavo Babo
Na década de 90 a cultura digital lutou para que tudo na internet fosse totalmente público e disponibilizado gratuitamente, para não criar uma desigualdade terrível. Esse ideal perpetuou-se e é notável os resultados disso para a existência da web como conhecemos hoje. Contudo, para alcançar toda a potencialidade da rede e suas aplicações de forma gratuita, a única alternativa para vários modelos de negócios que surgiram foi a publicidade.
Assim sendo, empresas como Google e Facebook disponibilizam serviços gratuitamente e em troca utilizam a publicidade, direcionada pela quantidade massiva de dados, como uma das formas de se sustentarem. Na nossa sociedade, como diz Jaron Lanier, um dos pioneiros da internet, se duas pessoas desejam se comunicar, a única forma disso acontecer é pelo financiamento de uma terceira pessoa.
Com o avanço da tecnologia e da computação, os anúncios se tornaram altamente estratégicos, principalmente sobre consumo e outros temas delicados. Por um lado, isso é bom para tornar o conteúdo e a navegação do usuário mais interessante e personalizada. Contudo, essas publicidades podem ser muito irritantes e visualmente poluídas, além de poderem desrespeitar a privacidade dos usuários ou até comprometer a fluidez da sua interação com uma plataforma.
Assim sendo, existe um dilema, pois aqueles que não querem ver os anúncios deveriam ter o total direito de bloqueá-los, mas concomitantemente, as plataformas digitais precisam deles para existirem. Portanto, a grande discussão está em torno de qual desses interesses deve prevalecer e se existem alternativas para essa situação que sejam positivas para as empresas e para os usuários dessas plataformas.
ADBLOCK
Aqueles que querem bloquear essa publicidade podem utilizar algumas ferramentas existentes, como o AdBlock. Estima-se que aproximadamente 236 milhões de usuário usam algum plug-ins de adblock.
A mais famosa globalmente e uma das melhores é o AdBlockPlus, uma extensão filtradora de propagandas que pode ser instalada em praticamente todos os navegadores. A extensão foi criada em 2006, é o plug-in mais baixado da internet e já ganhou prêmios como um dos 100 melhores produtos de 2007.
A tecnologia por trás das ferramentas é relativamente simples. O Adblock bloqueia solicitações HTTP que julga relevante e pode bloquear IFrames, scripts e Flash. Ademais, é possível não só bloquear a propaganda, mas também ocultá-la para o usuário em caso de anúncios em forma de texto, utilizando folhas de estilo CSS (um mecanismo simples para adicionar estilos como fontes, cores e espaçamentos em documentos Web). Em outras palavras, a ferramenta simplesmente decide qual conteúdo baixar e visualizar e qual conteúdo não baixar e ignorar.
ANTI-ADBLOCKERS
Todavia, as empresas estão empenhadas em restringir o uso dessas extensões de navegador, visto que isso pode prejudicá-las e, consequentemente, prejudica os produtos oriundos da internet. Para tal, contramedidas são adotadas para combater os bloqueadores de anúncios. Uma bem comum é apenas informar ao usuário sobre os danos gerados àquela plataforma pela utilização do AdBlock, como vários sites jornalísticos fazem. Entretanto, uma outra solução mais eficiente é impedir que o usuário acesse o conteúdo de um site com o software de bloqueio ativado em seus navegadores, utilizando outros softwares chamados de Anti-Adblockers, como por exemplo o BlockAdBlock. Assim, os usuários só acessam o conteúdo da maneira como o editor aprovar, caso o próprio utilize um Anti-Adblocker para proteger o seu site de usuários equipados com Adblocks.
LEGALIDADE
No meio dessa guerra entre bloqueadores de anúncios, plataformas e bloqueadores de bloqueadores de anúncios, a justiça alemã decidiu, por exemplo, que os AdBlocks são legais e que o modelo de negócios das empresas não têm o direito de passar por cima da autonomia dos usuários em decidir que tipo de material eles desejam visualizar. Para a suprema corte alemã, o Adblock não está violando a lei antitruste ou interferindo na liberdade de imprensa. Essa decisão não é única. Na verdade, são vários os casos em que a justiça decide pelo direito dos usuários online.
A discussão da autonomia informacional é engrossada com a General Data Protection Regulation (GDPR) e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Essas novas legislações são claras com a ideia de dar aos titulares dos dados a autonomia das suas informações pessoais e da sua navegação na internet, estabelecendo uma série de princípios e direitos para garantir que isso aconteça.
Todavia, embora o bloqueio de anúncios tenha sido considerado legal no tribunal e também defendido pelas legislações de privacidade e proteção de dados, os Adblockers ainda podem ser considerados expressamente ilegais na Europa, nos Estados Unidos e em todas as nações signatárias do Tratado de Direitos Autorais da Organização Mundial da Propriedade Intelectual.
Isso porque os Adblocks, ao tentarem driblar novamente os mecanismos dos Anti-Adblockers nos sites, adotaram medidas tecnológicas que contornam as tecnologias de controle de acesso utilizadas por esses Anti-Adblocker, nos quais não permitem que usuários acessem algum conteúdo com a extensão bloqueadora de anúncios ativada.
Vamos entender logo abaixo!
EUA
A lei americana sobre direito autoral (Digital Millennium Copyright Act - DMCA) prevê na seção 103 que:
No person shall circumvent a technological measure that effectively controls access to a work protected under this title.
(3)(B) a technological measure “effectively controls access to a work” if the measure, in the ordinary course of its operation, requires the application of information, or a process or a treatment, with the authority of the copyright owner, to gain access to the work.
Essas disposições determinam que é proibido o desvio de medidas tecnológicas destinadas a impedir ou limitar o acesso a uma obra. Como os Anti-adblocks utilizam de tecnologias para controlar acesso, alguns Adblocks, como o AdBlock Plus, violam a DMCA ao tentarem superar e contornar a tecnologia dos anti-adblockers.
Dessa forma, podemos entender que as contramedidas não podem ser burladas como acontecem, pois os bloqueadores de bloqueadores de anúncios utilizam medidas restritivas para limitar o acesso à um site, logo são, por natureza, “medidas tecnológicas que efetivamente controlam o acesso à uma obra”.
EUROPA
Na Europa, temos o artigo 6.º da Directiva 2001/29 / CE da UE:
Member States shall provide adequate legal protection against the circumvention of any effective technological measures, which the person concerned carries out in the knowledge, or with reasonable grounds to know, that he or she is pursuing that objective.
Member States shall provide adequate legal protection against the manufacture, import, distribution, sale, rental, advertisement for sale or rental, or possession for commercial purposes of devices, products or components or the provision of services which:
(a) are promoted, advertised or marketed for the purpose of circumvention of, or
(b) have only a limited commercially significant purpose or use other than to circumvent, or
(c) are primarily designed, produced, adapted or performed for the purpose of enabling or facilitating the circumvention of, any effective technological measures.
For the purposes of this Directive, the expression ‘technological measures’ means any technology, device or component that, in the normal course of its operation, is designed to prevent or restrict acts, in respect of works or other subjectmatter, which are not authorised by the rightsholder
Assim sendo, pode-se verificar que contornar as medidas tecnológicas dos Anti-adblockers também é ilegal pela lei europeia. Ademais, também não é correto fabricar ou distribuir produtos cujo propósito seja burlar os controles de acesso.
COOKIES E TRACKING
Sem dar fim à guerra entre Adblocks e Anti-adblocks, existem também outras alternativas para a problemática da publicidade, na qual compreende a maneira como esses anúncios direcionados funcionam. Essas opções abordam não mais a visualização de anúncios, mas sim o direcionamento deles, uma atividade antecessora.
A navegação na web de um usuário deixa rastros chamados de cookies, que são nada mais que pequenos arquivos armazenados no computador de um usuário por um navegador para personalizar um site para futuras visitas. Esses cookies podem ser usados puramente para melhorar a experiência do usuário ou direcionar anúncios convenientes, mas também podem ser utilizados de maneira mais invasiva e que comprometa a própria relação do usuário com a plataforma, se não houver cuidado.
Uma empresa consegue coletar os dados de navegação instalando um cookie no navegador do usuário quando ele interage com a marca em seu próprio site ou também em ferramentas de busca, sites parceiros e redes sociais. A utilização desses cookies para enviar anúncios para possíveis leads é chamado de targeting ou até retargeting e é dessa forma que ferramentas como o Google Ads e o Facebook Ads funcionam.
Ademais, podem ser aplicados conceitos ainda mais complexos e precisos, como o cross device tracking, que consiste no rastreamento entre dispositivos para identificar um único usuário. Essa técnica é utilizada para seguir a atividade do consumidor em seus vários dispositivos, a fim de proporcionar uma experiência melhor, assim como evitar fraudes ou direcionar os anúncios que estamos falando. Esse rastreamento costuma ser realizado através do compartilhamento de dados de terceiros, não apenas os da própria plataforma.
Além desses, é claro que existem inúmeros outros identificadores, como dados pessoais (ex: IP, telefone, e-mail e cartão de crédito) ou outras técnicas como Browser Fingerprinting e Device Fingerprinting. Todas essas estratégias podem ser utilizadas para rastreamento de um único usuário e o respectivo direcionamento de anúncios.
Com isso, o Adblock passa a não ser mais a única alternativa para evitar publicidades invasivas, pois algumas legislações podem determinar restrições sobre como esses anúncios são direcionados através da estruturação do comportamento do usuário e o uso de todas essas técnicas de tracking, assim como oferece ao usuário autonomia para controlar a utilização dos seus dados dessa forma. Esse é o caso da California Consumer Privacy Act (CCPA) e novamente da General Data Protection Regulation (GDPR).
A CCPA exige que terceiros forneçam avisos e uma escolha para os usuários de não participar da venda de informações pessoais. Esse comércio é tracionado por empresas classificadas como adnetworks e adexchanges, que normalmente ficam em segundo plano, mas coletam e trocam informações sobre as personas com outras empresas que buscam atingir certo público através da publicidade. A lei se aplica para aqueles que se relacionam com a Califórnia, coletando informações sobre os residentes, independentemente da sua localização.
Um outro exemplo é a conhecida GDPR da Europa, assim como, de certa forma, a sua semelhante no Brasil, a LGPD. Essas legislações seguem o mesmo raciocínio e também entendem que o acesso e a troca de informações dos usuários com terceiros são atividades que devem ser observadas pela lei, o que limita a capacidade das plataformas, editores e empresas de tecnologia em rastrear dados dos usuários nos dispositivos de forma que viole os direitos dos titulares e os princípios da proteção de dados.
Assim sendo, a utilização de técnicas de tracking, como cookies, deve ser informada aos usuários, sobretudo quando os dados são compartilhados com terceiros (Third-Party Cookies). Ademais, os usuários podem controlar o que desejam compartilhar, podendo escolher entre oferecer seus dados para melhorar a sua experiência do usuário, oferecer os seus dados para utilização de terceiros ou simplesmente não querer compartilhar as suas informações e não deixar rastros na web. No caso da utilização de cookies, por exemplo, já existem soluções de mercado muito conhecidas como o Cookie Management. Contudo, não é raro empresas encontrarem dificuldades em garantir a autonomia informacional dos usuários quando utilizam outras técnicas como as diversas variações de fingerprinting.
Portanto, identificar e rastrear usuários para direcionar anúncios são atividades afetadas pela lei e as plataformas devem oferecer aos seus usuários controle suficiente sobre isso, para que decidam se desejam receber ou não receber determinado conteúdo publicitário.
Ademais, como esse recurso é muito valioso para o marketing, várias empresas estão adotando a ideia de auto-identificação, em que é necessário fazer o login na plataforma para realizar o seu uso eficiente ou ter acesso a mais recursos. É uma forma mais adequada e mais fácil de implementar mecanismos em conformidade com a lei, embora exista uma linha tênue entre algumas práticas e a violação do Privacy by Design.
Por fim, é muito importante ser transparente com o usuário em relação aos dados e às técnicas utilizadas, assim como realizar uma Avaliação de Impacto de Proteção de Dados (DPIA) correta para cada tratamento ou realizar os tratamentos por meio de um “opt in” inequívoco quando adotado o consentimento como base legal e sempre avisar sobre novos tratamentos just in time.
Caso nenhuma das soluções anteriores sejam possíveis, existem também outras alternativas para essa ideia de impedir a identificação e o direcionamento de anúncios que podem ser realizados por parte dos usuários, como a utilização de navegadores ou até outras extensões de navegadores que não deixam esses rastros digitais utilizados para definir a sua persona na web.
Dessa forma, diferentemente do Adblock - que impede que esses anúncios apareçam para você durante a sua experiência - essas outras alternativas técnicas e legislativas expostas impedem que o você seja identificado ou que o seu comportamento seja definido. Em outras palavras, os Adblocks bloqueiam a visualização dos anúncios, já essas outras medidas bloqueiam a identificação do usuário e o direcionamento dos anúncios personalizados, atividade anterior à visualização e acesso dos próprios.
Todavia, ao tentar solucionar essa problemática, criamos uma ainda maior: como as plataformas podem sobreviver sem serem “patrocinadas” pela publicidade?
CONCLUSÃO E O FUTURO DAS PLATAFORMAS
Assim sendo, por mais que bloquear anúncios seja legal, as novas camadas tecnológicas dos Anti-AdBlock atuais são protegidas juridicamente e rompê-las é sim ilegal. Ademais, as outras alternativas para impedir o profiling e o tracking de um usuário e o direcionamento dos anúncios podem ser muito interessantes do ponto de vista do titular, mas ameaça a existência de várias plataformas e o desenvolvimento da inovação.
Além disso, a discussão fica ainda mais polêmica quando percebemos que os grandes players estão se atentando ao assunto com mais dedicação. Em Janeiro de 2020 o Diretor de Engenharia do Chrome Security & Privacy, Justin Schuh, anunciou que o Google não irá mais oferecer suporte a cookies de terceiros em seu navegador. Essa é uma iniciativa do programa Privacy Sandbox da empresa, que tem como objetivo construir uma internet mais privada. Todavia, parece que ainda não temos uma outra alternativa concreta para esse mercado.
A Apple também está cada vez mais exigente em relação ao tema e muitos já consideram a privacidade do iPhone como um produto de luxo. O posicionamento da marca não é tão discreto como os próprios pensam e os vários comerciais da empresa abordando a privacidade como um diferencial competitivo provam isso. A grande dúvida é como essas empresas pretendem desenvolver a economia digital com soluções cada vez mais rigorosas quanto ao assunto. Você pode conferir algumas explicações logo abaixo.
Para Jaron Lanier, uma possível solução para essa realidade e para dispensar os anúncios como a base financeira da rede das redes é a cobrança de assinaturas dos usuários pelas empresas ou navegadores. Vários modelos de negócios já estão adaptados para funcionarem dessa forma e as maiores organizações do mundo estão pesquisando sobre a possibilidade de existir uma versão paga das suas plataformas, sem anúncios.
Todavia, o fato de precisar pagar uma assinatura para ter sua privacidade garantida pode ser mais uma vez interpretado como uma violação aos princípios do privacy by design, que considera que a privacidade não pode ser um recurso extra ou um componente adicional do modelo de negócios. O que você acredita?
Contudo, a solução que mais gosto trata-se apenas na mudança de perspectiva. Entendo que a “guerra do marketing direcionado” ou as novas legislações de proteção de dados não estão limitando a inovação na área do marketing e sim orientando como empresas podem se organizar melhor, sendo mais transparente e priorizando fatores como a qualidade dos dados e as expectativas dos usuários.
Sejam as demandas da lei ou a própria auto-regulamentação do mercado, a única certeza que temos é que o aumento da maturidade das discussões do tema está promovendo verdadeiras mudanças positivas na cultura empresarial, na governança dos dados e nas estratégias de mercado. Não trata-se apenas de um projeto de compliance ou gestão de riscos, mas também de melhorar a própria empresa em diversas áreas que vão desde os times de dados ou de desenvolvimento, até os times de marketing ou de vendas.
Assim sendo, as “novas regras” para o tracking e o direcionamento dos anúncios não resulta no fim de várias plataformas, mas sim em uma nova visão de como isso pode ser feito melhor e de forma mais correta, como por exemplo, priorizando a instalação de cookies particulares ou garantindo o exercício dos direitos dos titulares.
Dessa forma, com uma pequena mudança na abordagem do projeto conformidade dentro de uma organização, é possível observar a área de privacidade se deslocar de “problema” para “solução” de diversos desafios em várias outras áreas, além de conseguir alavancar a estratégia comercial ou o marketing ROI ao absorver conceitos fundamentais como o user-centered design.
Uma empresa vai sofrer com as instabilidades da guerra do marketing direcionado e da criação de novas legislações se sempre pensar em um projeto baseado apenas em concluir a conformidade com a lei. Contudo, ao entender as discussões de privacidade como um tema mais amplo, é possível se adequar à lei e colher frutos positivos durante o processo de mudança de como os anúncios na internet funcionam. A esperança da sobrevivência das plataformas nessa nova era dos anúncios online está nas próprias organizações e nos seus times de compliance.
Portanto, podemos concluir que temos uma delicada discussão inacabada que ainda deve aparecer nos tribunais e debates globais por mais algum tempo, confrontado a autonomia do usuário, os adblockers, os anti-adblockers, a propriedade intelectual, o tracking, a privacidade e, é claro, as propagandas que sustentam as plataformas online. As múltiplas interpretações e facetas levantadas nesse texto são apenas para despertar curiosidades e trazer insights relevantes de um assunto tão complexo e fascinante.
Qual é a sua opinião?