Autor: Matheus Felipe Sales
A Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, que converteu a MPV nº 656/2014, consolidou no sistema brasileiro de transmissão imobiliária, por meio do seu artigo 54, o princípio da concentração na matrícula imobiliária, que prevê que todas as informações que dizem respeito ao imóvel deverão constar da sua matrícula no registro de imóveis:
Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:
Parágrafo único. Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.
Esta lei foi editada visando dar maior segurança jurídica para as transações imobiliárias. Isso porque, de acordo com o dispositivo supracitado, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre imóveis não poderão ser opostas situações jurídicas que não constem da matrícula no registro.
Assim, com exceção das situações mencionadas, quais sejam, os atos de registro de direitos reais e transferência da propriedade realizados após a decretação da falência, sem prenotação anterior, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independem de registro de título de imóvel, ao adquirente de boa-fé só poderão ser opostas situações constantes do registro.
Houve, portanto, uma mitigação das hipóteses de incidência da evicção e, como consequência, de perda do bem imóvel em razão de direito anterior de terceiro decorrente de contrato aquisitivo. A matrícula no registro de imóveis, que antes possui tão somente força probante relativa, aproxima-se agora do sistema alemão de transmissão imobiliária, em que o negócio jurídico real, dotado de abstração, se desprende de prévio negócio jurídico causal.
O registro de imóveis passa a ocupar maior centralidade no direito registral brasileiro, tendo em vista que (i) todas as informações concernentes ao imóvel deverão constar da matrícula registrada; e (ii) as informações registradas, dentro da hipótese do parágrafo único do dispositivo, possuem força probante absoluta.
Nesse sentido, é de suma importância identificar meios para que o sistema registral brasileiro seja fortificado e o princípio da concentração na matrícula imobiliária seja efetivamente cumprido, de modo a assegurar a garantia constitucional do direito de propriedade.
A modernização dos cartórios pode ser um dos meios mais eficazes para a efetiva implementação do artigo 54 da Lei nº 13.097/2015 no sistema brasileiro de transmissão da propriedade imobiliária, como, por exemplo, a utilização de blockchain para o armazenamento de informações cartorárias, a mesma tecnologia utilizada pelas principais criptomoedas mundiais.
Em Beijing, na China, foi aberto o primeiro cartório com base em um sistema de blockchain, em que, segundo o diretor do Beijing CITIC Notary Public Office, a tecnologia utilizada coaduna com um dos elementos estruturantes do sistema registral, qual seja, a confiabilidade, reduzindo a assimetria de informações e os custos envolvendo procedimentos cartorários.
De acordo com relatório divulgado pela mídia chinesa, inclusive, o país tem o maior número de projetos envolvendo blockchain sendo desenvolvidos no mundo desde novembro de 2018 (cerca de 263 projetos, 25% do montante global), tendo como um dos principais campos de aplicação a garantia de proteção e não violação de dados, bem como o combate a documentos falsos.
Quando aplicada ao sistema registral, a tecnologia visa, basicamente, a certificação de documentos digitais ou digitalizados, permitindo a sua utilização por meio de um código, impedindo a falsificação documental e coibindo fraudes relacionados às assimetrias informacionais. Além disso, possibilita também uma maior interconexão entre as informações registradas nos diferentes cartórios, facilitando o cruzamento dos dados para consultas mais completas e acuradas.
A implementação da tecnologia em países que adotam sistema de transmissão da propriedade imobiliária baseado na abstração do negócio jurídico real e, como consequência, na força probante absoluta atribuída ao registro (inserido parcialmente no direito brasileiro por meio do artigo 54, parágrafo único, da Lei nº 13.097/2015), pode ser de central relevância para garantir a concentração de informações na matrícula imobiliária de modo eficiente e estável, garantindo a fé pública registral.
Referências:
CHINA. Nation leads world in blockchain projects. 2019. Acessado em 27 de maio de 2019. Disponível em: <http://www.china.org.cn/business/2019-04/02/content_74636929.htm>.
COIN RIVET. Beijing opens doors to blockchain Notary. 2019. Acessado em 27 de maio de 2019. Disponível em: <https://coinrivet.com/beijing-opens-doors-to-blockchain-notary/>.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direitos reais. 13. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.
LEX MACHINAE. Blockchain, registros públicos e a possibilidade de reinvenção dos serviços cartorários extrajudiciais. 2018. Acessado em 27 de maio de 2019. Disponível em: <https://www.ab2l.org.br/blockchain-registros-publicos-e-a-possibilidade-de-reivencao-dos-servicoes-dos-cartorios-extrajudiciais/>.