GRUPO DE ESTUDOS DTI UFMG
Relatores: Bruno Vieira e Lindamaria Grasselli
Estudo de caso: Decisão da Suprema Corte Norte-Americana no caso The Standard Oil Company of New Jersey Et. Al. v. The United States, decidida em 15 de maio de 1911.
Trata-se de Acórdão proferido pela Suprema Corte Norte-Americana em grau recursal em recurso interposto por The Standard Oil Company of New Jersey (“Standard Oil”), John D. Rockefeller, William Rockefeller e outros contra decisão proferida pelo Tribunal Federal do Estado do Missouri (The Circuit Court Of The United States For The Eastern District Of Missouri).
Na instância inferior o Tribunal alegou que a Standard Oil praticou condutas exclusionárias visando monopolizar a indústria de petróleo. O remédio concorrencial foi a fragmentação da Standard Oil em 34 empresas diversas, podendo atuar somente dentro de seus estados. Entre essas empresas destaca-se a Standard Oil of New Jersey (Esso e posteriormente Exxon) e Standard Oil of New York (Mobil) que se fundiram criando a ExxonMobil e Standard Oil of California (Chevron).
A corte argumentou que à luz do Sherman Act (Anti-trust Act of July 2, 1890, c. 647, 26 Stat. 209) a combinação dos recorrentes se trata de restrição desarrazoada e indevida da comercialização de petróleo e derivados entre os estados da federação, sendo, portanto, regulada pelo Sherman Act.
O Tribunal reconhece a irretroatividade da lei quanto aos fatos ocorridos antes de sua promulgação (2 de Julho de 1890), porém, identificam a prática reiterada da Standard Oil até mesmo depois da entrada em vigor do Lei.
A discussão central da decisão é aplicação da regra da razão aos fatos levados à corte sob o argumento de violação da Lei Antitruste.
O Acórdão em debate é dividido em quatro partes: Razões dos recorrentes, contrarrazões dos Estados Unidos da America por seu Advogado Geral, voto do Juiz Presidente Edward White, acompanhado por Joseph McKenna, Oliver Holmes, William Day, Horace Lurton, Charles Hughes, Willis Van Devanter e Joseph Lamar e o voto vencido de John Harlan.
Razões dos Recorrentes
Nas razões dos Recorrentes esses alegam que a aquisição pela Standard Oil das ações de outras empresas não foi a combinação de empreendimentos diferentes, mas a aquisição de ações de companhias que faziam parte do mesmo empreendimento. Dessa forma, a aquisição de propriedades e plantas foi paulatina, utilizando fundo comum de várias companhias. Alegam que o Sherman Act não tem aplicação quanto à transferência e aquisição de ações, por não implicar em comercio entre estados ou internacional.
Afirmam que a aquisição das propriedades não é, em nenhuma hipótese, os contratos, combinações ou conspirações previstas na seção 1 da Lei.
Definem os Contratos de restrição ao comércio como “contratos com um estranho para os empreendimentos do contratado, embora, em alguns casos, realizem um contrato semelhante, o que restringe total ou parcialmente a liberdade do contratante em realizar esse negócio da mesma forma que ele faria” e as combinações de restrição ao comércio como as “combinações entre duas ou mais pessoas, nas quais cada parte é restringida em sua liberdade de exercer seus negócios à sua maneira”.
Tais acepções, definidas em decisões pretéritas, não teriam aplicação ao caso sub judice, uma vez que as aquisições foram de empreendimentos que a Standard Oil já era acionista.
Não negando as aquisições de propriedade e ações, os recorrentes alegam que estas não restringem o mercado, não sendo a livre iniciativa afetada por aquelas aquisições. Dessa forma, a eliminação da concorrência é somente um efeito incidental, não sendo ilegais tais aquisições.
Apontam que a posição dominante no mercado é resultado de coragem, correta percepção das forças de mercado, que aumentaram e estimularam a distribuição de petróleo e seus derivados a um custo menor do que o que prevalecia no mercado, beneficiando dessa forma o público geral.
Por fim, alegam que não se pode falar em monopólio, uma vez que o monopólio pressupõe a exclusividade e como corolário, a restrição na liberdade de outros atuarem no mercado.
Contrarrazões do Advogado Geral
O Advogado Geral, Frank Kellogg, por sua vez, argumenta inicialmente ser irrelevante que os atos (conspirações) realizados pela Standard Oil têm sejam anteriores ao Sherman Act já que o Common Law Inglês já proibia aquelas condutas. Ademais, as condutas persistiram até depois da entrada em vigor da Lei Antitruste.
Alega que a aquisição das ações pela Standard Oil deve ser caracterizada como “combinação em restrição ao comércio”. Cita o caso Northern Securities, em que a Corte argumentou que as restrições previstas no Sherman Act não se limitavam às restrições diretas sobre o comércio evidenciadas por contratos entre linhas de trem independentes, mas também por titularidade de ações e controle acionário.
O Advogado Geral pontua que o monopólio tratado na Lei Antitruste difere do monopólio absoluto, aquele possível por autorização legislativa, assim, a mera tendência ao monopólio, como previsto na Lei, deve ser punido.
Diante disso, Kellogg afirma que a combinação realizada pela Standard Oil é uma tentativa de controlar e monopolizar o comércio em todo o país. Aponta a existência de provas da materialidade da prática de preços predatórios e discriminatórios no transporte de seus produtos e outras condutas anticoncorrenciais. Tais práticas, alega o Advogado, foram continuadas, mesmo após a aquisição das ações pela Standard Oil e mesmo depois da entrada em vigor da lei.
Voto do Juiz Presidente Edward White
Talvez o argumento mais discutido, e que inclusive levou à dissidência do Juiz John Harlan, é a aplicação da regra da razão, porém, antes da abordagem sobre o assunto, é relevante pontuar a posição do tribunal quanto aos outros pontos levados à sua análise.
Diante das provas coletadas, e que fizeram parte da decisão a quo, o Tribunal argumenta que a combinação e aquisições nasceram de condutas ilegais como opressão do público e destruição do direito de terceiros. Essas condutas, a vasta acumulação de propriedade e o controle acionário exercido pela Standard Oil causa danos ao mercado e é um “perigoso exemplo” de ameaça à livre iniciativa e sinônimo de reprovação aos métodos econômicos da época.
O Justice White argumenta que há somente um ponto em que partes concordam, o significado das seções 1 e 2 do Sherman Act. Aquelas seções assim estão dispostas:
Seção 1: Every contract, combination in the form of trust or otherwise, or conspiracy, in restraint of trade or commerce, among the several States, or with foreign nations, is hereby declared to be illegal. Every person who shall make any such contract, or engage in any such combination or conspiracy, shall be deemed guilty of a misdemeanor, and, on conviction thereof, shall be punished by fine not exceeding five thousand dollars, or by imprisonment not exceeding one year, or by both said punishments, in the discretion of the court.
Seção 2: Every person who shall monopolize, or attempt to monopolize, or combine or conspire with any other person or persons, to monopolize any part of the trade or commerce among the several States, or with foreign nations, shall be deemed guilty of a felony, and, on conviction thereof, shall be punished by fine not exceeding $100,000,000 if a corporation, or, if any other person, $1,000,000, or by imprisonment not exceeding 10 years, or by both said punishments, in the discretion of the court.
Inicialmente a discussão abordou se existência de um direito comum (common law) nos Estados Unidos aplicável aos fatos na ausência da legislação específica influenciaram a criação do Sherman Act.
White aponta que a conclusão não foi propriamente a existência de um direito comum sobre a matéria, mas uma inovação jurídica tendo como causa a “vasta acumulação de riqueza nas mãos de corporações e indivíduos, o grande desenvolvimento de corporações, a facilidade de combinações por tais corporações, a utilização dessas combinações e a criação de trustes, que poderiam ser utilizados para oprimir indivíduos e o público em geral”.
Embora o Sherman Act seja uma inovação jurídica, argumenta White, conceitos como restrição ao comércio e monopólio são anteriores à legislação, com origem no direito Inglês.
A restrição ao comércio, no direito inglês se referia à restrição voluntária contratualmente estabelecida limitando seus direitos de livre iniciativa. Embora inicialmente qualquer contrato nesse sentido fosse ilegal, sob o argumento da livre iniciativa e liberdade contratual esse entendimento foi modificado, considerando que se as restrições fossem parciais e razoáveis o contrato era válido.
Quanto ao conceito de monopólio, White trás a definição de Edward Coke, juiz inglês da era Jacobina e Elisabetana. Para Coke o monopólio era uma permissão dada pelo rei para indivíduos, corpos políticos ou corporações para a exclusividade na aquisição ou venda de produtos diversos. White também colaciona definição similar de Hawkins, pontuando que tais concessões monopolistas foram afastadas no direito inglês. Embora afirme que o monopólio somente é possível com concessão estatal, alega que o engrossing (aquisição de grandes quantidades de um insumo ou produto) é tão reprovável quanto o monopólio e que ambos são ilegais e condenáveis à mesma medida. Assim, qualquer ato que tenha como consequência os mesmos observados em monopólios deve assim ser considerado.
White passa então a argumentar sobre a interpretação das seções 1 e 2 do Sherman Act a luz da regra da razão. Alega que embora as seções não mencionem expressamente a razoabilidade, à luz do common Law nem todos os contratos ou combinações são ilegais. Considerar o contrário seria destrutivo para todos os contratos ou acordos que envolvam qualquer combinação, sendo que a luz da razão, a aplicação do Sherman Act seria impossível por sua incerteza.
Nesse sentido, a mera enumeração genérica prevista na Lei Antitruste e a referência sem qualquer definição dos vocábulos “restrição ao comércio” não levam a outra conclusão se não a sua definição na aplicação concreta do caso a luz da regra da razão.
Embora White discorra longamente sobre a aplicação da regra da razão às seções 1 e 2 do Sherman Act, afirma que há provas suficientes de que a Standard Oil visou destruir o potencial competitivo do mercado, com práticas reiteradas de discriminação de preço, restrições e tentativa de monopólio.
White aponta que a unificação de poder de controle sobre o petróleo e seus derivados foi consequência direta das ações da Standard Oil, que visava manter posição dominante no mercado de petróleo, não por métodos normais de desenvolvimento do mercado, mas por meio de combinações e condutas que visavam excluir outros potenciais competidores do mercado.
Como corolário das condutas praticadas pela Standard Oil e estrutura resultante das combinações, o tribunal confirmou a decisão a quo para proibir a prática dos atos que violem o Sherman Act e a dissolução da Standard Oil, incluindo a proibição de exercer a propriedade e controle sobre as subsidiárias e o pagamento de dividendos às Standard Oil New Jersey.
O voto de John Harlan
O Juiz Harlan divergiu do voto vencedor unicamente quanto à aplicação da regra da razão ao Sherman Act.
Alega que não há texto da Lei qualquer menção à regra da razão, citando casos anteriores em que a Corte decidiu sem qualquer aplicação daquela regra. Afirma que tais decisões foram decididas corretamente à luz da Lei e da intenção do Congresso, uma vez que este se manteve silente após os julgados, não promovendo qualquer alteração legislativa para inclusão da regra da razão no estatuto.
Dessa forma, a Corte ao aplicar a regra da razão aos casos sub judice extrapola os seus poderes, legislando onde não lhe cabe legislar.
Como corolário, não há previsão para a aplicação da regra da razão, devendo esta ser afastada de qualquer interpretação da Lei Antitruste.
Discussões
Trata-se de um dos primeiros casos em que se discutiu a utilização da Regra da Razão na aplicação do Direito Antitruste. Por isso, o julgado é leitura obrigatória para o estudo histórico do instituto. Cabe lembrar que todas as legislações modernas incluem a regra da razão como princípio de análise às condutas e estruturas, e.g. o art. 36, § 1º da Lei 12.529 que assim dispõe:
§ 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo.
e também o art. 88, §6º da mesma lei:
§ 6º Os atos a que se refere o § 5º deste artigo poderão ser autorizados, desde que sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os seguintes objetivos:
I - cumulada ou alternativamente:
a) aumentar a produtividade ou a competitividade;
b) melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou
c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; e
II - sejam repassados aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes.
A decisão da corte, porém, é contestada, mormente, quanto à condenação de prática de preços predatórios. Conforme John McGee a Standard Oil Co. não se valeu da prática de preços predatórios para retirar seus concorrentes de mercado e mesmo se tivesse se valido de tal prática seria tolice pois acabaria lucrando menos com a predação do que se não a praticasse. Em conclusão, McGee afirma que:
A Standard Oil não se valeu da discriminação de preços predatórios para expulsar refinarias concorrentes, nem suas práticas de preços tiveram esse efeito. Mesmo que talvez haja alguns casos de comerciantes de querosene que deixaram o mercado após ou durante a redução dos preços, não há provas reais que as políticas de preço da Standard foram responsáveis por isso. Estou convencido que a Standard não se valeu de preços predatórios no varejo, ou em qualquer outro lugar para reduzir a competição. Ter agido assim seria tolice, e o que quer que se tenha dito sobre eles, a velha Standard foi criticada por ter feito pouco dinheiro, quando facilmente poderia ter feito muito dinheiro.
Assim, embora a decisão da Suprema Corte seja louvável ao introduzir a regra da razão ao debate antitruste, essa não analisou as estruturas de custos e inovações criadas pela Standard Oil, a condenando mais pelo seu tamanho e poder do que por práticas prejudiciais ao mercado e consumidores.
Texto para discussão: The Enduring Lessons of the Breakup of AT&T: A Twenty-Five Year Retrospective de Christopher S. Yoo
Em abril de 2008 a Universidade de direito da Pensilvânia realizou uma conferencia intitulada: "The Enduring Lessons of the Breakup of AT&T: A Twenty-Five Year Retrospective". Foi o primeiro evento realizado pelo centro de tecnologia, inovação e competição da Pensilvânia, um instituto de pesquisa comprometido em promover a pesquisa básica sobre estruturas fundamentais que moldarão a maneira como os formuladores de políticas pensam sobre questões relacionadas à tecnologia no futuro próximo. Na discussão, a cisão da AT&T representou um ponto de partida ideal para que fossem examinados os principais tópicos da política de telecomunicações.
O painel inicial trouxe um grupo distinto de pessoas que desempenharam funções importantes nesse cenário, em que foram apresentadas opiniões diversas sobre se a dissolução da AT&T representou um sucesso ou falha de uma política, bem como quais aspectos da dissolução eram esperados e quais surgiram como surpresas.
Por exemplo, Roger Noll, que ajudou a desenvolver o processo contra a AT&T, observou como esse caso aguçou o debate e melhorou a qualidade da pesquisa, as visões otimistas e pessimistas do aperfeiçoamento da regulamentação e se o antitruste pode compensar deficiências do regulamento. Além disso, a experiência na implementação da dissolução da AT&T revelou que os tribunais antitruste não eram melhores em lidar com comportamento anticoncorrencial do que os reguladores.
No entanto, sugeriu que o surgimento de uma Internet competitiva e sem fio teria sido adiada se o tribunal não tivesse determinado igual acesso e interconexão com a rede telefônica local. A dissolução da AT&T foi um marco na mudança do regulamento que concede aos clientes acesso a toda a rede e do regulamento de acesso que concede aos concorrentes acesso a partes da rede.
Outro painel explorou os sucessos e os novos desafios propostos por esse novo paradigma regulatório, examinando seu impacto na eficiência estática e dinâmica e até que ponto a decisão serviu como modelo para outros países e indústrias.
A dissolução da AT&T deu nova importância aos debates sobre compensação entre transportadoras que agora englobam novos serviços, como Voz por IP (VoIP), bem como telecomunicações tradicionais. Foi discutido também como esses regimes de compensação serão moldados no futuro e como é a reforma do atual sistema de compensação entre transportadoras.
Referências:
MCGEE, John. Predatory Price Cutting: The Standard Oil (N. J.) Case. Journal of Law and Economics, Vol. 1 (Oct., 1958), pp. 137-169.
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