GRUPO DE ESTUDOS DTI UFMG
Relatores: Júlia Melo Carvalho Ribeiro e Thomaz Murta e Penna
Texto 1: The Facebook: WhatsApp merger case. European Commission’s lucky break or proof of impermeable system of merger control?
Bram Visser
Segundo o autor, o objetivo que prevalece nas normas europeias antitruste é o de garantia do bem-estar do consumidor. Em 1989, foi publicada a primeira regulação de fusões e aquisições sob a perspectiva concorrencial. Esse regulamento focava na posição dominante em mercados relevantes das empresas participantes da operação, desconsiderando outros efeitos que não só o referente à posição dominante.
Em razão da ineficiência do primeiro regulamento, em 2004 foram publicadas novas regras para operações de fusão e aquisição. Esse regulamento tinha como principal motriz a salvaguarda dos benefícios ao consumidor.
Regulation (EC) nº 139/2004:
Obrigação de notificação prévia;
Requisitos que determinam a necessidade de notificação;
(i) o faturamento mundial de todas as empresas exceder os 5000 milhões de euros e o faturamento a nível de EEE de pelo menos uma empresa exceder os 250 milhões de euros;
(ii) revisão em pelo menos 3 países membros;
(iii) se afetar a competitividade nas transações entre países membros, por meio de requerimento de um país membro
Além disso, emendas foram realizadas nos regulamentos alemão e austríaco para adequação à realidade digital
Alemanha:
Requisitos para notificação: o valor da transação deve exceder 400 milhões de euros, desde que a empresa alvo exerça atividade relevante na Alemanha.
Efeito de rede (direito e indireto);
Custo de transferência e multi-home (reforçam o efeito de rede);
Acesso ao dado relevante para a concorrência;
Capacidade de a operação impedir futuras inovações disruptivas;
Áustria:
Requisitos para notificação: o valor da transação deve exceder 200 milhões de euros, desde que a empresa alvo tenha atividade relevante na Áustria.
O autor endente que os demais países membros devem adotar o critério da necessidade de notificação baseado no valor da operação. Todavia, levanta algumas críticas as novos requisitos: (i)adiciona maior complexidade ao sistema, o que faz com que as empresas tenham que lidar com maior ônus administrativo; (ii) o requisito de a empresa alvo ter que praticar atividade relevante é vago, aumentando, assim, a insegurança jurídica; e (iii) arbitrariedade em relação ao valor da operação que obriga o envio de notificação à Comissão, o que pode colocar um ônus excessivo em empresas que, por exemplo, têm um alto custo em P&D.
Análise do caso Facebook/WhatsApp
Concluiu-se pela inexistência de prejuízo aos consumidores (tanto do Facebook, quanto do Whatsapp). A incorporação também não prejudica novos entrantes, pois o mercado de aplicativos de mensagem é instável, assim como qualquer mercado que dependa do efeito de rede e dos custos de transferência. Não havia interesse das partes em veicular anúncios por meio do Whatsapp. Mesmo que houvesse, só seria constatado prejuízo ao consumidor caso não existissem outras formas de propaganda online que não fossem realizadas pelo Facebook ou Whatsapp.
Ainda em relação a anúncios, poderia ser ventilado o dano potencial da incorporação do Whatsapp à concorrência considerando-se que o Facebook teria mais facilidade de direcionamento de propaganda, haja vista que poderia se valer também dos dados do Whatsapp. No entanto, os dados do Whatsapp se limitam a nome e telefone, o que não é útil para o targeting de anúncios.
Efeito de rede: alguns concorrentes consideraram como barreira à entrada. A Comissão entendeu que não, haja vista que há muita volatilidade no mercado de aplicativos. O autor entende que, caso o Facebook retirasse a criptografia das conversas do Whatsapp, o Facebook teria imensa vantagem competitiva, afetando de forma negativa a concorrência.
Conclusão: Há uma lacuna em relação aos requisitos para notificação da Comissão Europeia em caso de fusões ou aquisições. No entanto, o limite de valor proposto pela Alemanha e pela Áustria, apesar de trazerem benefícios, trazem também algumas fragilidades, conforme já exposto. Segundo o autor, a União Europeia deve observar como os acordos no mercado digital se comportarão face as novas regras alemãs e austríacas, para avaliar se as alterações propostas por estes países foram efetivas ou não.
Texto 2: The Big Data relevant market as a tool for a case by case analysis at the digital economy: Could the EU decision at Facebook/Whatsapp merger have been different?
Vicente Bagnoli
O maior desafio em relação à definição do mercado relevante na economia digital é como as autoridades antitruste devem lidar com os dados. Foi decidido que o mercado de publicidade online correspondia ao mercado dividido geograficamente de acordo com as fronteiras nacionais e linguísticas no interior do EU. O autor se questiona se não teria sido mais correto considerar (i) onde o dado foi ou pode ser capturado; (ii) onde esses dados foram ou podem ser armazenados; e (iii) ou se os dados podem gerar algum tipo de informação valiosa.
A análise que foi realizada durante o caso Fabebook/Whatsapp conclui que não haveria impacto no mercado de anúncios online. A Comissão da União Europeia decidiu que não haveria impacto caso houvesse a publicação de anúncios via Whatsapp ou caso os dados dos usuários do Whatsapp passassem a ser utilizados pelo Facebook como forma de aprimorar o targeting dos seus anúncios via Facebook.
Perguntas a serem respondidas pelo autor: Como a integração vertical pode fortalecer o poder de mercado se for considerando, não apenas o mercado de anúncios online, mas todas as etapas nas quais as empresas poderiam atuar em termos de coleta, armazenamento e análise de dados? Qual é a diferença de se analisar fusões e aquisições no mercado digital e fora dele? Como a concentração da captura dos dados pode interferir na dinâmica do mercado? Poderia a conclusão sobre o caso Facebook/Whatsapp ter sido diferente caso considerado como as empresas capturam, armazenam e analisam dados?
O mercado do Big Data e o modelo 6 V’s: (i) volume; (ii) velocity; (iii) variety; (iv) value; (v) veracity; and (vi) validation.
Para melhor compreender o efeito do Big Data para fins concorrenciais, seria adequado o enquadrar o Big Data como um mercado relevante. Justificativa da Comissão Europeia para a aceitação do acordo: Whatsapp e Facebook Messenger não são concorrentes. O consumidor ainda teria várias alternativas de aplicativos de troca de mensagens depois do acordo;
Foco da análise: (i) serviços de mensagens instantâneas; (ii) serviços de rede social; (iii) serviços de anúncios online.
Serviços de mensagem: os mitigadores do efeito de rede neste caso são: (i) o mercado de aplicativos de mensagens crescem de forma rápida e é caracterizado por períodos curtos de inovação e alteração das posições de mercado; (ii) o lançamento de um novo aplicativo é razoavelmente simples e não requer tempo e investimentos significativos; (iii) consumidores podem usar mais de um aplicativo ao mesmo tempo e mudar de um aplicativo para um outro sem maiores dificuldades;
Serviços de mídia social: Neste tipo de serviço, Facebook e Whatsapp não são concorrentes, pois apenas o Facebook presta este tipo de serviços;
Serviços de anúncio online: mesmo considerando que o Facebook poderia introduzir anúncios no Whasapp ou utilizar os dados do Whatsapp para melhorar o seu targeting de anúncios via Facebook, esse fato não levantaria problemas concorrenciais, haja vista: (i) há concorrência suficiente em relação a serviços de anúncios; (ii) o Facebook não tem controle exclusivo sobre os dados dos usuários que são valiosos para fins de anúncios. Questões relacionadas à privacidade não foram levantadas pela Comissão Europeia.
Segundo o autor não foi considerado pela CE questões relativas ao Big Data ou ao efeito de rede no caso Facebook/Whatsapp. Ainda que o custo para o desenvolvimento de um novo aplicativo de comunicação seja zero, o efeito de rede pode inclusive significar uma barreira à entrada nesse mercado.
Concorrência nesse mercado: Em novembro de 2013, foi avaliado que a participação de mercado de Facebook Messenger e Whatsapp juntos seria de aproximadamente 30-40%. Segundo a comissão uma grande participação de mercado, não necessariamente significa concentração de poder de mercado. As diferentes funcionalidades entre Facebook e Whatsapp conduziram a Comissão a entender que não há problemas competitivos nesse mercado.
Serviços de anúncios online: para verificar o impacto nesse mercado, a Comissão analisou (i) a possibilidade de o Whatsapp começar a transmitir anúncios, (ii) a possibilidade de o Facebook se valer das informações do Whatsapp para potencializar o targeting de anúncios via Facebook. A Comissão concluiu que mesmo que o Facebook se valesse de um desses mecanismos, ainda teria que enfrentar concorrência de vários outros players no mercado, como Google, Apple, Amazon, eBay, Microsoft, AOL, Yahoo!, Twitter, IAC, LinkedIn, Adobe e Yelp.
Pós-acordo: depois que a Comissão aceitou o acordo, pelo menos 3 autoridades antitruste abriram investigações sobre o caso. A Alemanha abriu investigação alegando que o Facebook estaria fazendo uso abusivo dos dados dos usuários, em desobediência as normas de proteção de dados nacionais, em razão de uso de termos e condições abusivas que levaram ao abuso do poder de mercado. Na Itália, a autoridade antitruste multou o Whatsapp em 3 milhões de euros por ter obrigado os usuários a compartilhar seus dados com o Facebook, em infração ao código do consumidor italiano.
O mercado relevante de Big Data: Considerando que um grande volume e uma grande variedade de dados traz a empresa que os coleta algumas vantagens competitivas, essa coleta e tratamento de dados em larga escala pode significar barreiras a novos entrantes no mercado. Exemplo da compra da Nest pela Google aprovada pelo FTC. Nesse caso foi delimitado um mercado relevante de dados.
Segmentação do mercado de Big Data se dá por (i) Big Data capture; (ii) Big Data storage; and (iii) Big Data analytics.
Segundo o autor, identificar e entender o mercado relevante de Big Data da perspectiva da lei antitruste leva à melhor compreensão a atividade das empresas nesse mercado e à possibilidade de se verificar se, em relação a determinados acordos, há problemas concorrenciais envolvidos
Conclusões: Considerando uma integração vertical, pode ser que o poder de mercado de uma empresa aumente em um dos estágios do mercado de Big Data, de modo a impactar negativamente o mercado de anúncios, por exemplo.
É preciso repensar a forma de se avaliar casos de acordo entre empresas do ramo digital, considerando as suas características próprias, tais como: maior transparência, redução dos custos de busca dos consumidores, expansão das fronteiras de transações, facilitação do surgimento de novos modelos de negócio e o que os dados representam nesse mercado.
A forma como as empresas coletam, armazenam e usam os dados pode alterar substancialmente uma análise concorrencial. Em relação ao caso Whatsapp e Facebook, caso fosse considerado o mercado de Big Data, a conclusão poderia ter sido outra, haja vista que os dados providos pelo Whatsapp ao Facebook poderia fortalecer a performance do Facebook no mercado de anúncios, bem como poderia excluir potenciais concorrentes do mercado.