Por Tárik César Oliveira
“For the rational study of the law the black letter man may be the man of the present, but the man of the future is the man of statistics and the master of economics”
Holmes, Oliver Wendell
Análise Empírica e a Ciência Jurídica tem um relacionamento às vezes conflituoso. O interesse em análises de natureza empírica tem seus picos e recuos através das décadas, nunca tendo sido completamente abandonada, mas definitivamente mais fragilizada em alguns momentos, apenas para aparecer como forte novamente logo em seguida. Nos últimos tempos, contudo, temos visto um renascimento de natureza mais robusta de análises empíricas. Não aparenta ser o mesmo crescimento de bolha que caracterizou períodos anteriores.
Este artigo pretende expressar opiniões do porque deste relacionamento conflituoso entre a Ciência do Direito e análise empírica, uma forma de lidar com ele, assim como apresentar como a tecnologia tem sido um dos motores para esse crescimento do interesse.
Análise Empírica no Direito: A Not Loving Story
Por boa parte de sua história, o Direito se constitui num campo de estudos que frisam a filosofia e o “como deveria” ser a relação lógica entre normas, assim como entre estas e suas sanções. A despeito das diferenças entre autores paradigmáticos, eles tendem a ter sistemas teóricos que lidam ao modo como, idealmente, as normas se relacionam entre si. Isso é válido para teorias como a típica pirâmide Kelseniana ao romance em cadeia de Dworkin.
Neste ambiente, foram tecidas objeções à utilidade e mesmo validade de pesquisas empíricas internas ao campo do Direito. Muitas vezes, por exemplo, é citado o argumento tipicamente burkeano da separação entre o ser e o dever elevados por Kelsen. De maneira geral o argumento kelseniano assume que não se pode inferir um enunciado normativo a partir de um enunciado declarativo. Se se dá o fato “p”, logo o “p” está permitido. A permissão de “p” não seria derivada logicamente da existência de “p”.
Kelsen, obviamente, não ignora que o mundo da prática do Direito é perpassado por outras formas de existência e que o Direito real reflete aspectos políticos, culturais, econômicos, psicológicos e históricos. A pureza do Direito que ele apregoa não é do Direito como atividade humana, mas a da Ciência do Direito. Ele, e vários daqueles que o seguem nesta posição afirmam que não seria o papel do Cientista do Direito lidar com tais questões, assim terceirizadas a outros cientistas sociais. A constituição e validade formais seriam o foco do aparato analítico do jurista, sendo os resultados práticos fora da alçada do cientista do Direito. Assim não requerendo o ferramental analítico empirista.
Síntese Como Solução
A natureza da Ciência do Direito apresentada pela posição Kelseniana e análogas a ela permanece fortemente enraizada no mundo jurídico, mas nem de longe é unânime. Desde o advento do Realismo Jurídico americano, estudos empíricos do Direito sempre se apresentam, recusando-se a entrar no túmulo que o tentam colocar. Por outro lado, como contra reação, diversos praticantes de análise empírica fundamentalmente negam a Dogmática típica do Direito. Uma crítica consistentemente mais interessante a essa discussão é a apresentada por Lewandowski (2005, p. 411) que pode ser resumida na argumentação:
“o jurista (...), transcende a esfera do mero ser, do sien,, para operar no campo do dever ser, ou seja, do Sollen. Ele, porém, não limita suas indagações ao Sollen pois não trabalha com um conjunto de normas preceptivas logicamente encadeadas conforme queria Kelsen, mas opera com modelos jurídicos, que constituem, no dizer de Reale, uma síntese dialética resultante do embate entre certas exigências axiológicas a um dado complexo fático travado num âmbito de uma determinada conjuntura histórica.”. Lewandowski (2005, 68).
Acredito que esta forma de síntese entre a Dogmática tradicional e a preocupação com a faticidade - e a correspondente necessidade de ferramentas de análise empírica para lidar com ela - são um caminho mais interessante para a Ciência do Direito. Não se trata, afinal de contas, de negar o fundamental papel da Dogmática do Direito, da análise formal de condições de validade e existência que fazem o Direito ser o que é. Não seria, tão pouco, adotar uma visão hiper-sociologizante. Seria o reconhecimento da preeminente necessidade de ir além, de unir a Dogmática com uma compreensão robusta e científica de sua aplicação prática. Isso torna-se mais preeminente pela existente discrepância entre o “Direito nos livros” e o “Direito nos tribunais”, e pelo percepção do funcionamento do sistema legal que advém de concepções normativas e evidências anedóticas, muitas das quais podem estar em claro descompasso com a realidade empírica.
Crescimento Consistente da Análise Empírica no Direito
Como já dito anteriormente, o crescimento da Análise Empírica do Direito tem se apresentado nas últimas décadas como muito mais consistente que o padrão de boom and bust. O interesse aumentou, aparecem novas áreas de pesquisa relacionadas e até mesmo instituições voltadas a esse tipo de produção, como a Associação Brasileira de Jurimetria.
Para entender esse padrão emergente é útil analisar o argumento de Thomas Ulen no já clássico artigo Um Prêmio Nobel para a Ciência do Direito. No artigo Ulen elenca três razões principais para o lugar relativamente obscuro da análise empírica. Primeiramente é o que foi apresentado na parte anterior, que é a oposição normativa à própria ideia de empirismo no Direito. Em segundo lugar, ele apresenta o foco das faculdades na formação de operadores do Direito e não estudiosos. Por fim, embora o objeto de estudo do Direito não se altere de sociedade em sociedade, especificamente, como funciona a regulação promulgada e aplicada por órgãos do governo, há uma clara ausência de teorização universalista para o Direito.
É de se notar que todas as três variáveis apresentadas por Ulen têm sofrido mudanças, muitas das quais o próprio Ulen reconhece, ainda em 2002. Apesar de ainda forte, tem havido uma diminuição da hostilidade em relação ao trabalho empírico nas faculdades do mundo todo. É um processo lento, cheio de detratores, mas a direção tem sido clara. O segundo fator que Ulen tinha apresentado como ameaça a análise empírica se tornou um fator de impulsionamento de estudos empíricos. Operadores jurídicos com formação empirista são melhores no trabalho prático, o próprio mercado jurídico passou a valorizar fortemente capacidades que vão além para o Direito. Por fim, teorias menos tribais e localizadas nacionalmente e mais universalistas têm ganhado não somente apelo, mas maturidade. Um exemplo é a Análise Econômica do Direito. Trabalhos que envolvem Sociologia Jurídica, Antropologia e cada vez mais tecnologias também têm se tornado mais comuns.
O Novo Mundo Digital e a Análise Empírica
Uma quarta variável tenderá a aprofundar o uso de métodos empíricos no Direito. Especificamente são os avanços nas tecnologias de informação que baixaram os custos de se utilizar ferramentas de análise de dados. É sempre bom lembrar que para além da resistência e incompreensão, os problemas de ordem prática tornavam o uso de análises empíricas, principalmente as quantitativas, uma tarefa hercúlea.
A título de exemplo, numa pesquisa sobre incidentes de desconsideração da personalidade jurídica, o pesquisador Leonardo Parentoni encontrou por volta de 15.907 casos relacionados à temática, isso somente num único tribunal estadual em São Paulo a data de 13.03.2011. (Parentoni, p. 81, 2012). Lidar com tal volume de dados, coletar tais dados e criar um banco de dados passível de ser analisado seria uma experiência complicada e de altos custos a poucas décadas atrás.
Essa situação tem se modificado por três fatores inter relacionados. Em primeiro lugar a difusão e melhoria de novas ferramentas de software livre como a linguagem de programação R e a linguagem de programação Python. Há barreiras de conhecimento menores a entrada e aprendizagem destas ferramentas para análise de dados, em comparação com linguagens de computação mais clássicas como Javascript, C + + e Assembly. Em segundo lugar, a própria revolução digital tornou mais barato adquirir tais habilidades. Ao invés de aprender em tentativa e erro, contratar alguém específico para fazer ou ter que entrar em uma universidade de computação, há diversos cursos baratos que permitem dar um pontapé inicial na análise de dados. Estes não substituem o primeiro contato que poderia haver numa Universidade, nem excluem a necessidade de experiência posterior, mas servem para dar o impulso inicial à análise de dados que é difícil feito sem algum guia.. Por fim, a digitalização da vida jurídica do país, embora ainda vacilante e com problemas de organização, deu acesso melhor aos dados necessários para análise. Mesmo que não consolidados em bancos de dados organizados e abertos em formato SQL, ainda assim pode-se pensar em formas de automação da criação de pipelines de dados da coleta com raspadores a armazenagem com sistemas como o MongoDB ou SQL Workbench. Nem precisa-se dizer que o desenvolvimento de produtos de Aprendizado de Máquina vão aprofundar ainda mais essas tendências.
Conclusão
De maneira geral há uma consistente expansão da análise empírica do Direito.O desenvolvimento de novas tecnologias de informação para coleta, armazenagem e análise preditiva tenderão a expandir ainda mais o escopo e importância de tais estudos. Este novo estado de coisas será de grande valia para a Ciência do Direito, inclusive para juristas mais focados na Dogmática. O uso de ferramentas quantitativas pode auxiliar no raciocínio e rigor. Mais ainda, as contribuições empíricas poderiam ter efeitos fundamentais no papel do Direito na própria sociedade. A partir de uma abordagem de pesquisa qualitativa, Bárbara Baptista afirma que:
“A sociedade não está socializada com o Direito, não conhece as suas regras e, por conseguinte, não legitima as suas práticas. Entendo que uma forma viável de minimizar essa distância que separa o que deveria estar próximo, por ser complementar – os Tribunais e a sociedade – é tornar conhecidos e explícitos os rituais judiciários.” (Baptista, 2017)
Graças ao aprofundamento da pesquisa empírica quantitativa e qualitativa, a Ciência do Direito talvez jamais será a mesma, e isso parece um excelente avanço.
Bibliografia
BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti. O Uso de Observação Participante em Pesquisas Realizadas na Área do Direito: Desafios, Limites e Possibilidades. In: MACHADO, Maira R. (org). Pesquisar Empiricamente o Direito. Rede de Estudos Empíricos em Direito. 2017.
LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. A Formação da Doutrina dos Direitos Fundamentais. Revista Da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo, 98, 411-422. 2003.
PARENTONI, Leonardo Netto. Reconsideração da Personalidade Jurídica: Estudo Dogmático Sobre Aplicação Abusiva de Disregard Doctrine com Análise Empírica da Jurisprudência. Tese (Doutorado Direito Comercial). Faculdade de Direito de São Paulo, São Paulo. 2012.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Martins Fontes, São Paulo. 1999.
ULEN, Thomas. Um Prêmio Nobel para a Ciência Jurídica. Teoria, Trabalho Empírico e o Método Científico. In PORTO, Antônio José M.& SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. (ORG). Direito e Economia em Dois Mundos: Doutrina Jurídica e Pesquisa Empírica. Editora FGV.