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Ciência da Computação e Direito: Ilhas incomunicáveis ou faces da mesma moeda

Atualizado: 21 de jun. de 2023


Grupo de Estudos em Direito e Tecnologia da Universidade Federal de Minas Gerais – DTEC - UFMG

Data: 28/03/2023

Relatores: Gabriella Reis e Olivia Boretti





1. Abertura


O encontro iniciou às 11h20min através da plataforma Google Meet. A abertura foi realizada pelo monitor José Faleiros e após breves cumprimentos aos integrantes, as relatoras iniciaram a exposição do tema aos participantes do seguinte tema: Ciência da Computação e Direito: Ilhas incomunicáveis ou faces da mesma moeda?


Ciência da Computação:


Estuda as técnicas, metodologias, instrumentos computacionais e aplicações tecnológicas, que informatizam os processos e desenvolvem soluções de processamento de dados de entrada e saída pautados no computador. Abrange as técnicas de modelagem de dados e gerenciamento de banco de dados, envolvendo também a telecomunicação e os protocolos de comunicação, além de princípios que abrangem outras especializações da área.


Ciência de Dados:


É uma área interdisciplinar, que localiza-se em uma interface entre a estatística e a ciência da computação, que utiliza o método científico; processos, algoritmos e sistemas, para extrair conhecimento e tomar decisões a partir de dados dos diversos tipos, sendo eles ruidosos, nebulosos, estruturados ou não-estruturados.


Sendo assim uma área voltada para o estudo e a análise organizada de dados científicos e mercadológicos, financeiros, sociais, geográficos, históricos, biológicos, psicológicos, dentre muitos outros.


Visa, desde modo, a extração de conhecimento, detecção de padrões e/ou obtenção de insights para possíveis tomadas de decisão.



As duas culturas:


Em 7 de maio de 1959, C.P. Snow fez uma palestra intitulada "As Duas Culturas e a Revolução Científica" em Cambridge. Ele identificou duas culturas, a dos intelectuais literários e a dos cientistas naturais, que se desconfiavam mutuamente, o que tinha consequências prejudiciais para o mundo. Snow perguntou qual seria o lugar da Grã-Bretanha entre os principais países do mundo, como os países ricos deveriam ajudar os pobres, como alimentar o planeta e quais esperanças para o futuro da humanidade. Estes temas são importantes para qualquer cidadão educado. Embora filósofos, historiadores e sociólogos os considerem, a questão de como os físicos, químicos e biólogos devem abordá-los foi objeto de debate. A ideia das "duas culturas" caiu no esquecimento, mas seu impacto histórico deve ser considerado.


As ideias de Snow continuam relevantes atualmente, especialmente em um mundo cada vez mais tecnológico e interconectado. A polarização entre as duas culturas pode ser vista em várias áreas, incluindo a política, a economia e a educação. A questão de como integrar as duas culturas e promover a comunicação e a colaboração entre elas continua a ser um desafio. Além disso, os temas levantados por Snow sobre o papel dos países ricos em ajudar os pobres e como alimentar o planeta continuam a ser urgentes e importantes. Portanto, é necessário revisitar as ideias de Snow e continuar a discutir essas questões importantes.


Como ansiedade cultural, a preocupação com a lacuna entre "duas culturas" remonta essencialmente ao século XIX, e a forma moderna dessa ansiedade dificilmente seria compreensível em épocas anteriores. Certamente, desde o início do pensamento grego ocidental tem havido vários campos do conhecimento humano, e em vários momentos a mente pensativa considerou que um ramo de investigação ou "disciplina" se tornaria ameaçadoramente dominante ou inatingível.


Mas durante a Idade Média e o Renascimento, a interpretação da natureza era geralmente vista como apenas um elemento no funcionamento geral da "filosofia". Não foi até o século 18, que os historiadores mais tarde chamariam de "revolução científica", que as conquistas do estudo do mundo natural foram amplamente consideradas como novos padrões para o que poderia ser considerado conhecimento verdadeiro. métodos. os "filósofos naturais" (como ainda eram chamados) gozavam de uma autoridade cultural especial. A repetição de esforços para ser o "Newton das ciências morais" durante o Iluminismo do século XVIII testemunha não apenas a avaliação da mecânica celeste, mas também o "método experimental" em geral. Mas esta frase também mostra que o estudo da atividade humana pode ser visto como uma extensão da compreensão do mundo natural, e que o mapa cultural fornecido pelo grande monumento intelectual do Iluminismo, L'Encyclopedic, não representava uma divisão estruturada do conhecimento humano correspondente à posterior divisão de "ciências" e "humanidade".


É na era romântica, no final do século XVIII e início do século XIX, que podemos datar a complexa situação em que certos saberes podem desenvolver fissuras prejudiciais tanto ao cultivo individual quanto ao bem-estar. Mas mesmo nesse estágio, o perigo não era necessariamente visto como uma falha na comunicação entre o mundo humano e os estudiosos da natureza. É verdade que Newton e seu legado foram memoravelmente admirados por William Blake, entre outros, mas os mestres românticos da imaginação provavelmente se opuseram a uma concepção empobrecida da vida humana baseada na "escuridão" da energia criativa ou emocional. poesia ciência" da economia política para traçar uma fronteira entre o mundo humano e o estudo da natureza.


Pessoas de fora tendem a ver semelhanças em outros grupos e diferenças sutis em seus próprios. Da perspectiva de um bioquímico ou de um engenheiro elétrico, as diferenças entre o sociólogo empírico e o historiador social moderno podem parecer sutis; da mesma forma, para classicistas ou historiadores da arte, o que diferentes ramos da física têm em comum parece muito mais visível do que o que os separa. Mas cada um desses campos ou subcampos desenvolveu cada vez mais suas preocupações, métodos e vocabulários a ponto de não haver outras divisões significativas. O economista teórico e crítico da poesia francesa é tão incompreensível em seu trabalho profissional quanto sempre foram "cientistas" e "humanistas". O processo de especialização como tal não deve ser lamentado: é um pré-requisito para o desenvolvimento intelectual e muitas vezes representa um refinamento impressionante de conceitos e técnicas. Não faz mais sentido exigir que cada palavra escrita por um filósofo profissional seja acessível ao leigo sem instrução do que exigir esse padrão de cristalógrafos.


Em vez disso, as questões interessantes dizem respeito a como tais especializações se relacionam com a cultura mais ampla e como elas influenciam o debate sobre esses assuntos, que nunca podem ser facilmente reduzidos ao domínio de uma disciplina acadêmica. Aqui pode ser útil enfatizar outra verdade simples, a saber, que não temos apenas uma identidade, não somos totalmente definidos por nossa formação profissional e profissão.


Vivemos em identidades sobrepostas – sociais, raciais, sexuais, religiosas, intelectuais, políticas – e ninguém sozinho sempre domina ou determina consistentemente nossas respostas. Portanto, não nos envolvemos em assuntos públicos e debate público principalmente como químicos orgânicos ou antropólogos sociais, nem podemos ler um novo relatório popular sobre avanços recentes na astronomia ou a última biografia de Elizabeth I principalmente como imunologistas ou macroeconomistas.


Um dos perigos da vida acadêmica é a maneira como seu ethos e organização encorajam a exagerar o poder e a importância desses vínculos disciplinares em detrimento de outras conexões e lealdades muitas vezes mais profundas. Da mesma forma, não existe apenas uma "cultura comum" possível. A continuidade assume muitas formas, e devemos pensar em graus de participação nesses mundos compartilhados, não em simples inclusão ou exclusão.


Quando Snow tentou ilustrar a suposta lacuna entre as culturas, ele falou sobre as pessoas que não conheciam a segunda lei da termodinâmica. Ignorando ou não a importância desse exemplo, caberia perguntar se não é mais proveitoso pensar uma cultura comum entre saberes tão puramente compartilhados. Em todo o caso, limites claros são colocados a esta possibilidade desde o momento em que se deve escolher entre as especialidades do ensino escolar ou universitário.


Devemos promover o crescimento do equivalente intelectual do bilinguismo, a capacidade não apenas de usar a linguagem de nossas disciplinas, mas também de participar, aprender e, por fim, contribuir para conversas culturais mais amplas. Claro, pode ajudar se a educação de alguém não for muito especializada cedo demais, e o alerta de Snow ainda é relevante: “o mais importante ainda será o cultivo dentro do ethos das várias especializações acadêmicas não apenas de alguma compreensão de como suas atividades se encaixam em um todo cultural maior, mas também de um reconhecimento de que atender a estas questões maiores não é algum tipo de trabalho voluntário fora de serviço, mas é uma parte integrante e devidamente recompensada da realização profissional no campo em questão”.


É claro que a criação unilateral dessa atmosfera excede o poder de qualquer disciplina acadêmica. Tanto as oportunidades de comunicação quanto o compartilhamento de reconhecimento dependem de tradições culturais favoráveis; Na França e na Grã-Bretanha, por exemplo, diferentes atitudes conferem diferentes status à participação de intelectuais estudiosos no debate público, que, por sua vez, é internalizado como parte do processo de formação profissional.


Mas há inúmeras situações em que especialistas, seja nas ciências naturais ou em outras áreas, precisam apresentar o caso de sua empresa em uma linguagem que não especialistas possam entender. Isso diz respeito a atividades tão diversas quanto aparecer em um comitê universitário ou revisar um livro em um jornal nacional - ou, por exemplo, um exemplo próximo a Snow, aconselhando o ministério sobre o uso de determinada tecnologia.


Para Snow, é vital que as duas culturas trabalhem juntas para resolver os problemas mais urgentes da sociedade e que isso só pode ser feito se as pessoas nas duas culturas começarem a entender e apreciar o trabalho uns dos outros.


Uma breve história da Ciência de Dados na Tecnologia Jurídica


Esse artigo escrito por Johann Ohler apresenta algumas provocações e sugestões que sinalizamos a seguir:

  • O setor jurídico se caracteriza por ser bastante conservador e letárgico em relação à inovação.

  • Durante muito tempo as soluções tecnológicas utilizadas pelos profissionais do direito foram bastante conservadoras, mantendo o já mencionado estereótipo de lenta adaptação.

  • As pressões externas os estão forçando a aceitar e lutar pela inovação

Na visão dele, com a LegalTech o nosso olhar deve ser lançado com grande expectativa. Eçe apresenta as 3 fases da LegalTech:


  • Legal Tech 1.0 - Começou em 1980 com digitalização dos bancos de dados jurídicos, mas não introduziu a ciência de dados na profissão jurídica. A faceta mais proeminente dessa onda foi a digitalização, com bancos de dados jurídicos. (WESTLAW)

  • Legal Tech 2.0 - Automatizou diversos processos em escritórios de advocacia, tanto para operações internas como para processos voltados para o cliente. Um exemplo notável disso é o Flightright.

  • Legal Tech 3.0 - Promete automatizar totalmente os processos jurídicos, com o uso de aprendizado de máquina e outras tecnologias.

Ele traz alguns exemplos de como a Ciência de Dados pode auxiliar o Setor Jurídico:


O que o judiciário anda fazendo?


Apresentamos alguns casos de uso de ciência de dados no Judiciário Brasileiro:


Instituída pela Resolução CNJ n. 331/2020 como fonte primária de dados do Sistema de Estatística do Poder Judiciário – SIESPJ, a Base Nacional de Dados do Poder Judiciário – DataJud é responsável pelo armazenamento centralizado dos dados e metadados processuais relativos a todos os processos físicos ou eletrônicos, públicos ou sigilosos dos os tribunais indicados nos incisos II a VII do art. 92 da Constituição Federal.


O painel interativo SireneJud reúne informações da Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (DataJud) relacionadas às ações judiciais no assunto ambiental, bem como outros dados referentes a mesma temática (como áreas protegidas, terras indígenas, áreas de desmatamento, entre outros).


O Programa Justiça 4.0 torna o sistema judiciário brasileiro mais próximo da sociedade ao disponibilizar novas tecnologias e inteligência artificial. Impulsiona a transformação digital do Judiciário para garantir serviços mais rápidos, eficazes e acessíveis.


Rumo a uma Integração entre Direito e Ciência da Computação

O objetivo principal do artigo é destacar a relação entre Direito e Tecnologia e como a rápida evolução tecnológica tem impactado significativamente o Direito, exigindo que tribunais e legisladores reexaminem uma ampla gama de questões legais. Além disso, o artigo destaca a importância de uma maior especialização em ambas as áreas e uma integração mais profunda entre elas, tanto na educação quanto na pesquisa, para que a sociedade possa continuar a usufruir dos benefícios do progresso econômico e tecnológico.


O artigo se envolve em debates como a importância do diálogo entre as duas áreas, dando exemplo de uma questão legal ocorrida no Congresso dos Estados Unidos quando debateram duas propostas legislativas - Lei de Parar a Pirataria Online (SOPA) e a Lei de Proteção da Propriedade Intelectual (PIPA). Na ocasião foi exigido que os provedores de serviços de internet usassem o Sistema de Nomes de Domínio (DNS) para bloquear o acesso a sites que hospedam conteúdo conhecido por violar as leis de direitos autorais, porém, debate após debate a situação revelou que nem todas as questões idealizadas por legisladores são possíveis de execução no mundo da computação.


O artigo também destaca a necessidade de uma maior especialização em ambas as esferas para lidar com a interação entre lei e tecnologia ao organizarem seus assuntos privados. O autor argumenta que a rápida mudança tecnológica tem um impacto significativo sobre a lei, e a compreensão da tecnologia é essencial para lidar com as questões legais relacionadas a ela.


Aproximando a Ciência da Computação e o Direito


A construção do texto foi baseada em uma reunião oficina de Zoom realizada em 18 de abril de 2020, quando 35 (trinta e cinco) especialistas debateram sobre Ensino/Pedagogia; Pesquisa/Escolaridade/Tenor; Cultura e Impacto; e Financiamento, dando origem ao relatório posto em debate.


O texto oferece conselhos práticos para a transposição da Ciência da Computação e do Direito em ambientes acadêmicos, incluindo estratégias para a construção de uma comunidade interdisciplinar, opções estruturais e estratégicas para universidades que procuram se tornar líderes neste espaço, estratégias para contratação de faculdades interessadas na colaboração interdisciplinar, reformas necessárias no processo de posse e padrões para apoiar tais faculdades e métodos comprovados para cultivar a comunidade entre estudantes e pesquisadores interessados na interseção do Direito e Ciência da Computação.


Também discute as barreiras que impedem a colaboração interdisciplinar, como diferenças na cultura acadêmica e na estrutura de incentivos, e oferece sugestões práticas para superar essas barreiras e promover a colaboração interdisciplinar.


Uma discussão relevante do texto inclui o desenvolvimento de opções de publicação que sejam aceitas em ambos os campos, como publicações interdisciplinares revisadas por pares, para incentivar os pesquisadores a se engajarem em trabalhos interdisciplinares.


Esse debate é relevante para o campo do Direito e da Ciência da Computação em razão da necessidade de educar advogados e tecnólogos especializados em tecnologia que são sensíveis às implicações legais, políticas e éticas de suas inovações, e a importância das parcerias de pesquisa entre especialistas das duas disciplinas para fornecer a base para a tomada de decisões confiáveis e informadas por juízes, reguladores, formuladores de políticas e atores privados neste espaço.


Considerações Finais


Os textos levantaram o debate entre os integrantes da reunião sobre: 1) Até que ponto os operadores do Direito precisam conhecer os mecanismos da ciência da computação para que contribuam com produção de normas coerentes e possíveis de executar? 2) Para quem atua na área de Direito e Tecnologia, o estudo sobre ciência da computação deveria ser mantido no plano do conhecimento ou também no da execução?


Bibliografia Base


SNOW, C. P.The Two Cultures.Introdução, p. 01 a 16 e 55 a 61.


OHLER, Johann.A Brief History of Data Science in Legal Tech.Texto inteiro.


YOO, Christopher S.Toward a Closer Integration of Law and Computer Science. Texto inteiro.


OHM, Paul.Bridging the Computer Science Law Divide.Capítulo 1 E


Bibliografia Complementar


BROOKSHEAR, J. Gleen. Ciência da Computação: uma visão abrangente - 11º ed. Porto Alegre: Bookman, 2013.


 

O DTec UFMG (Grupo de Estudos em Direito & Tecnologia da Faculdade de Direito da UFMG) é um grupo de estudos registrado junto à Faculdade de Direito da UFMG e ao NIEPE/FDUFMG. O DTec realiza encontros quinzenais remotos para debater temas afetos à sua área e o DTIBR cede espaço no site e nas suas redes sociais para divulgar as atas de reuniões e editais de processo seletivo do grupo de estudos.


Por outro lado, o Centro de Pesquisa em Direito, Tecnologia e Inovação - DTIBR é uma associação civil de direito privado, dotada de personalidade jurídica própria e sem finalidade econômica. Não possui vínculo com a UFMG e, por isso, participantes do grupo de estudos DTec não são membros do DTIBR. Para maiores informações, acesse nosso FAQ.



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