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O Preço dos Dados Pessoais: Externalidades no Mercado de Dados.

Por Tárik César



Hoje iremos discutir no blog um pouco sobre mercado de dados, mais especificamente a existência de externalidades neste mercado e algumas consequências jurídicas para a área de proteção de dados. Para isso essa discussão irá se valer, sobretudo, do artigo do Economista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (M.I.T.) Daron Acemoglu em parceria com Ali Makhdoumi, Azarakhsh Malekian e Asu Ozdaglar chamado “Too Much Data: Prices and Inefficiencies in Data Markets”. Tanto o artigo em questão quanto outros podem ser lidos na própria página de Acemoglu no M.I.T. no link abaixo. Como sugestão leia o artigo diretamente após esta postagem pois ele é bastante rico em outras discussões relevantes também.



A escolha desse artigo, para além do conhecido prestígio e conhecimento de um dos principais economistas do mundo e candidato ao Nobel, se deve sobretudo porque ele dá uma resposta robusta e provocativa a um importante paradoxo na área de proteção de dados: porque proteger dados se as pessoas aparentam não se importar tanto assim com sua própria privacidade e proteção de dados.


O Paradoxo no Valor da Privacidade


Como afirmado acima, sempre que se entra em discussões sobre privacidade e proteção de dados, encontramos um paradoxo intrigante. Por um lado, estamos num contexto onde os cidadãos, de maneira geral, estão cada vez mais conscientes da importância de seus dados pessoais e da capacidade de uso abusivo destes por indivíduos e organizações. É exatamente este reconhecimento público que anima a criação de leis de proteção de dados. Todavia, estes mesmíssimos cidadãos costumam estar mais que dispostos a compartilhar seus dados de forma razoavelmente livre não só para obter serviços de grandes plataformas, mas igualmente de pequenos serviços “divertidos” que, ao fim e ao cabo, todos sabem que existem para colher dados.


Externalidades no Preço dos Dados


A resposta a esse paradoxo vindo de Acemoglu e seus coautores é relacionada ao conceito econômico de externalidades. Na acepção clássica de Mankiw:


“externalidades emergem quando uma pessoa engajada numa dada atividade influencia outra pessoa, mas não recebe nenhuma compensação pelo efeito” (Mankiw, 2001, pag. 206).

Ou seja, uma pessoa influencia resultados de outra, positiva ou negativamente, e o mecanismo de mercado não consegue alocar recompensas/custos de forma adequada. Para os autores, tal mecanismo age nos mercados digitais. O grande achado dos pesquisadores foi que os preços de mercado não refletem o valor real da privacidade. O preço que os indivíduos dão aos seus dados está muito abaixo do que ele estaria em condições normais de mercado, se não fosse a existência de tais externalidades. E, por consequência, a privacidade acaba sendo menos valorizada na prática do que é. Claro, isso deixa a pergunta: de onde estariam vindo tais externalidades?


Os autores descobriram um fator que nomearam de “vazamento”. Quando um indivíduo compartilha sua informação pessoal, este não apenas compromete a sua privacidade, mas também de outros indivíduos cuja informação está correlacionada com a dele. De modo geral, quando um indivíduo compartilha informação sobre seus hábitos, comportamentos e preferências, isso contém consideráveis informações sobre pessoas com características demográficas similares. Isso também reflete suas informações a respeito de contatos pessoais e profissionais. Esse vazamento de dados por outras pessoas que não o próprio indivíduo gera incentivos a outros indivíduos terem menos preocupações com sua própria informação, uma vez que, para a maioria dos indivíduos, muito dessas informações já está relevada de qualquer maneira. Isso foi encontrado no modelo com a presença de um preço de equilíbrio muito baixo em comparação de onde deveria estar.


Direito Concorrencial Não é Bala de Prata na Proteção de Dados


Para chegar a este resultado, os autores desenvolveram diferentes modelos formais típicos de econometria que refletissem aspectos de mercado. De maneira geral estes simularam mercados de dados ao qual plataformas ofereciam preços ou serviços em troca de dados, tanto em ambiente competitivo quanto monopolístico.


Uma descoberta interessante é que a presença e força de tais externalidades não se alteram a partir da estrutura do mercado. A existência de competição ou não é irrelevante para alterar a falha de mercado e alterar os preços relativos dos dados. De fato, o artigo argumenta que um mercado competitivo pode fazer tais ineficiências resultantes de externalidades ainda piores. Dado que em condições de mercado competitivo mais dados provavelmente serão compartilhados e que o desejo de usuários de evitar o compartilhamento excessivo de dados sobre eles pode levar a uma fragmentação ineficiente na distribuição de usuários nas plataformas anulando ganhos produzidos por efeitos de rede, um outro tipo de característica de mercado diferente de externalidades típicas, que têm efeitos positivos e negativos no bem estar dos indivíduos.


Dessa maneira, enfraquece-se razoavelmente uma hipótese que se tornou muito popular de que o uso de instrumentos concorrenciais em preocupações de privacidade e proteção de dados não seria apenas salutar, mas fundamental como forma de dar eficácia às leis de proteção de dados. De maneira geral o argumento apresentado nesta hipótese é que a existência de um tipo diferente de falha de mercado os já apresentados efeitos de rede assim como a concentração de mercado em poucas Big Techs são as principais ameaças de uso abusivo de dados dos indivíduos. Por consequência, haveria um locus de união entre instrumentos e objetivos de defesa da concorrência com a legislação de proteção de dados. Descrever todas as visões, muitas altamente sofisticadas, sai do escopo deste artigo. Assim como e sugestão para quem tiver interesse em mergulhar nesta discussão o mais acabado e completo destes argumentos que se encontra no livro Big Data and Competition Policy de Maurice E. Stucke e Allan P. Grunes.


Como uma importante peça científica, o artigo de Acemoglu, Makhdoumi, Malekian e Ozdaglar abre uma importante discussão sobre o comportamento individual em relação ao próprio manuseio de seus dados que é cheia de consequências para o Direito. Cumpre notar-se que, como um artigo, ele abre uma discussão, mais do que termina. Conforme os próprios autores no artigo:


“Nossa modelagem de privacidade e usos de dados pelas plataformas foi reducionista. Distinguir os usos de dados pessoais para discriminação no preço, propaganda e design de novos produtos e serviços pode levar a novos insights adicionais”. (Acemoglu et al, 2020, pag. 34-35)

Novas pesquisas se fazem fundamentais para melhor entender o comportamento de instituições públicas e privadas assim como indivíduos em relação aos próprios dados. Tão pouco aqui neste texto busco dizer que a hipótese de uso de instrumental do Direito Concorrencial na seara de proteção de dados é inútil e deve ser abandonada, mas que o contexto dela deve ser melhor dado, assim como a existência de limites claros de sua aplicação. Mais importante é que juristas busquem incorporar tais informações e estudos de outras áreas, e não só a economia, em suas reflexões do sistema jurídico e desenho de normas.


Tárik César Oliveira e Alves é graduando em Direito na UFMG e graduando em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pela Newton Paiva e membro do DTIBR.


Referências


1. ACEMOGLU, Daron et al. Too Much Data: Prices and Inefficiencies in Data Markets. 2020. Disponível em < https://economics.mit.edu/files/19835> Acesso em 22/08/2020.


2. MANKIW, N. Gregory. Principles of Microeconomy. Editora Forth Worth, Harcourt College. 2001.


3.GRUNES, Allen P. e STUCKE, Maurice E. Big Data and Competition Policy. Oxford University Press. 2016.



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