Guilherme Mesquita Estêves
Benefícios de sua utilização e riscos à privacidade
Continuando com nossa discussão anterior, a qual você pode conferir neste blog. Com o tratamento dos dados obtidos, foi possível identificar diversos fatores que contribuíam para infecções, como aumento de temperatura e frequência cardíaca. Diante disso, o sistema permitiu a emissão de um sinal de alerta precoce a fim de alertar os médicos que uma infecção teria potencial de ocorrer naquele paciente, algo que jamais poderia ser observado por médicos sem o auxílio da tecnologia, o que acabou salvando vidas, otimizando recursos e melhorando a qualidade do serviço prestado à população (GOMES, 2017).
O big data parece ter especial potencial nas seguintes áreas da saúde: 1. Operações clínicas: pesquisas de eficiência comparada para determinar formas mais clinicamente relevantes e custo-eficientes para diagnosticar e tratar doenças em pacientes; 2. Pesquisa e desenvolvimento: modelos preditivos para produção de drogas e dispositivos de ação mais rápida e visada; 3. Análise clínica: testes e prontuários de pacientes para identificar indicativos de efeitos adversos de produtos em fase de teste antes que cheguem ao mercado; 4. Saúde pública: análise de padrões em doenças e rastreamento de surtos e transmissões para catalogá-las, o que permite uma resposta mais rápida; 5. Vacinas: Desenvolvimento mais célere e preciso de vacinas, como por exemplo com escolha da cepa anual de influenza; 6. A transformação de grandes quantidades de dados clínicos em informação acionável pode ser usado para identificar necessidades, proporcionar serviços e prever crises; 7. Análise genômica: execução de sequenciamento genético de forma mais eficiente, com redução de custos, tornando a análise genômica uma ferramenta padrão em tratamentos médicos (RAGHUPATHI; RAGHUPATHI, 2014).
O big data tem sido utilizado também na agricultura, como forma de otimização do processo produtivo. Destaca-se a previsão do tempo e de fatores climáticos como elementos cruciais na maximização da produção agrícola, de forma que o big data atua como mecanismo de grande valia para se alcançar esse objetivo; através de sensores eletrônicos no campo, com coleta e análise de dados de inúmeras fontes, possibilita-se que decisões estratégicas sejam adotadas com o auxílio tecnológico, o que maximiza as chances de êxito (GOMES, 2017).
O crescimento populacional demandará em 2050 a duplicação da produção de alimentos, se comparado aos índices atuais, para atendimento da demanda (FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION, 2017). Ainda, quase 1/3 dos alimentos produzidos no campo são perdidos ou descartados durante os processos de distribuição e venda, o que deixa transparecer a ineficiência do processo (ROYTE, 2016). Dessa feita, ao se levar em conta esse cenário preocupante e desafiador, a tecnologia do big data pode ser transformar num dos vetores que possibilite e assegure o futuro alimentar do planeta (GOMES, 2017).
Apesar dos diversos aspectos positivos relacionados à utilização do big data, evidenciam-se também riscos à privacidade das pessoas; isso porque, na sociedade da informação há uma constante “vigilância”:
Quando usamos nosso cartão de crédito para pagar, nossos celulares para comunicar, ou nosso CPF para nos identificar. Em 2007 a mídia britânica revelou a ironia de que há mais de 30 câmeras de vigilância em um perímetro de 200 jardas de onde George Orwell escreveu 1984. Bem antes do advento da internet, companhias especializadas como a Equifax, Experian e Acxiom coletavam, tabulavam e garantiam acesso a informações pessoais para centenas de milhões de pessoas pelo mundo. A internet tornou o rastreamento mais fácil, mais barato e mais útil. E agências governamentais clandestinas de três letras não são as únicas a nos espiar. A Amazon monitora nossas preferências de compra e o Google nossos hábitos de navegação, enquanto o Twitter sabe o que se passa em nossas mentes. Facebook parece captar toda a informação também, junto com nossos relacionamentos. Operadoras de telefonia sabem não só com quem nós conversamos, mas quem está por perto. (MAYER-SCHONEBERGER; CUKIER, 2013).
A grande quantidade de informações pessoais coletadas, armazenadas e analisadas parece indicar que o big data desafia a sociedade e o ordenamento jurídico, especialmente naquilo que se refere à privacidade; tem-se um terreno fértil para práticas, por exemplo, discriminatórias, de vigilantismo excessivo, as quais não raro implicam em violações de direitos da personalidade (GOMES, 2017).
A ampla utilização do big data como modelo de negócios de empresas ou como forma de atuação do poder público pode culminar em uma prática de inegável impacto social, “devido a duas razões principais: big data permite previsões sem precedentes sobre a vida privada e deslocam o poder para aqueles que detêm a informação e aqueles que a fornecem (HIJMANS, 2016, p. 98).
Nem todo processamento de dados via big data lida com informações pessoais. Sensores em equipamentos de uma fábrica ou informações sobre o tempo coletadas em um aeroporto são exemplos disso. A análise de informações desse tipo através do big data não impõe risco à privacidade. Contudo, muitos dados coletados atualmente incluem informações pessoais. Empresas têm incentivos para coletar mais, manter por maior período e reutilizar mais frequentemente dados. Mesmo que alguns dados não aparentem conter informações pessoais, o processamento via big data permite o track back aos indivíduos a que eles se referem (MAYER-SCHONEBERGER; CUKIER, 2013).
A questão relevante não é se o big data aumenta os riscos à privacidade, pois sabe-se que a resposta é sim, mas se ele muda o caráter desses riscos. Se a ameaça é simplesmente maior, então as regras e normas para proteção da privacidade podem continuar efetivas na era do big data; nesse caso, tão somente aumentar os esforços existentes nesse sentido seria suficiente. Todavia, o problema com a privacidade foi transformado: o valor da informação não mais reside somente em seu propósito primário, mas também em seus usos secundários (MAYER-SCHONEBERGER; CUKIER, 2013).
Na era do big data, as três estratégias fundamentais utilizadas para garantir a privacidade – consentimento individual, opting out e anonimização – perdem sua efetividade:
Além de uma constante exposição dos dados pessoais, sobretudo na internet, por mais inofensivo que seu conteúdo possa parecer, como a chamada metadata, quando comparados, catalogados e classificados podem revelar muito sobre determinada pessoa e possuem grande potencial danoso, caso utilizados para perseguição ou discriminação, além de alcançarem cada vez mais valor de mercado, recebendo tratamento por muitas empresas como verdadeira mercadoria. (GOMES, 2017, p. 42).
O setor privado não está sozinho no entusiasmo com o big data. Governos o estão também. Por exemplo, a Agência de Segurança Nacional Americana (NSA) foi exposta por sua prática de vasculhar e-mails, arquivos digitais, chamadas telefônicas e localização de pessoas ao redor do mundo, de acordo com documentos vazados em 2013 por Edward Snowden, um antigo empregado. Muitas dessas atividades já são conhecidas há tempos, apenas não estavam em foco na mídia. A NSA foi acusada de interceptar e armazenar 1.7 bilhões de e-mails, chamadas telefônicas e outros tipos de comunicações todos os dias, de acordo com a investigação perpetrada pelo Washington Post em 2010 (MAYER-SCHONEBERGER; CUKIER, 2013).
No passado, governos investigavam um “suspeito” com escutas e câmeras escondidas, a fim de escavar informações sobre aquele indivíduo. O approach atual é diferente e mais sofisticado: sob o pálio do espírito do Google e do Facebook, a ideia é de que uma pessoa é a soma de seus relacionamentos sociais, interações online e conexões com conteúdo. Como o governo nunca sabe quem será o próximo “suspeito” a ser escrutinado, ele coleta, armazena e garante acesso às informações não necessariamente para monitorar todos o tempo inteiro, mas para quando alguém cair sob suspeita, as autoridades poderem imediatamente ter acesso aos seus dados (MAYER-SCHONEBERGER; CUKIER, 2013).
Dessa feita, sem a pretensão de esgotamento do tema ou oferecimento de uma definição jurídica precisa do big data, parece possível entender que trata-se de tecnologia que se refere à análise de grande quantidade de dados, realizada de maneira automatizada por algoritmos, com intuito de extração de resultados e benefícios. Pode-se concluir, ainda, que o big data possibilita uma ampla vigilância das vidas de pessoas enquanto torna os meios legais de proteção da privacidade obsoletos.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais – a função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
FOOD AND DRUG ADMINISTRATION. The future of food and agriculture – trends and challenges. Roma, 2017. Disponível em: <http://www.fao.org/3/a-i6583e.pdf>. Acesso em: 03 set. 2019.
GOMES, Rodrigo Dias de Pinho. Big data, desafios à tutela da pessoa humana na sociedade da informação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.
HIJMANS, Hielke. The European Union as Guardian of Internet Privacy: True Story of Art 16 TFEU. Bruxelas: Springer International Publishing, 2016.
INTERNET LIVESTATS. Google Search Statistics. Disponível em: <https://www.internetlivestats.com/google-search-statistics/>. Acesso em: 23 ago. 2019.
LANEY, Doug. 3D Data Management: Controlling Data Volume, Velocity and Variety. In: Blog Gartner, 2001. Disponível em: <https://blogs.gartner.com/doug-laney/files/2012/01/ad949-3D-Data-Management-Controlling-Data-Volume-Velocity-and-Variety.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2019.
MAYER-SCHONBERGER, Viktor; CUKIER, Kenneth. Big data: a Revolution That Will Transform How We Live, Work, and Think. New York: Houghton Mifflin Harcourt, 2013. E-book.
RAGHUPATHI, Wullianallur; RAGHUPATI, Viju. Big data analytics in healthcare: promis and potential. In: US National Library of Medicine, v. 2, 2014. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4341817/>. Acesso em: 28 ago. 2019.
ROYTE, Elizabeth. How ‘Ugly’ Fruits and Vegetables Can Help Solve World Hunger. In: National Geographic Magazine, mar. 2016. Disponível em: <https://www.nationalgeographic.com/magazine/2016/03/global-food-waste-statistics/>. Acesso em: 30 ago. 2019.
SAMPAIO, Luciana. NoSQL, SQL e Big data. 2013. In: Blog Luciana Sampaio. Disponível em: <https://lucianasampaio.wordpress.com/2013/10/03/nosql-sql-e-big-data/> Acesso em: 20 ago. 2019.
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